As sementes nativas recebem várias denominações como crioulas, tradicionais ou “sementes da paixão”. Independente dos nomes que elas recebem, a principal característica desse tipo semente é que elas são adaptadas às condições locais do seu ambiente de origem. “Necessariamente, a semente da paixão não é a mesma semente para todo local. Então, determinada região tem sua semente porque chove mais, chove menos. Então, ela é resistente àquela condição. Por isso, o grande achado das sementes nativas é essa característica: são sementes locais e adaptadas a cada realidade”, afirma Emanoel Dias da Silva, engenheiro agrônomo e assessor técnico do Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas às Comunidades (Patac).
Além de serem adaptadas às diferentes condições ambientais, as sementes tradicionais atendem às preferências culturais das famílias e se ajustam bem aos seus gostos. “Por exemplo, aqui na região do Cariri [Paraíba], tem o milho branco que as famílias cultivam porque gostam. Porque é um milho [que cresce] rápido, que se chover pouco ele se adapta aquela condição. É um milho que produz muita palha. Então, cada família produz o que quer, o que deseja”, explica Emanoel Dias.
O estoque familiar de sementes é também uma estratégia fundamental para a convivência das famílias com as irregularidades climáticas do Semi-Árido, pois assim que chega o período do plantio elas têm sementes na hora exata e de qualidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), 90% do material de plantação usado pelos agricultores do mundo inteiro provêm dessas sementes nativas que eles produzem e guardam.
As sementes nativas utilizadas e conservadas pelas famílias do Semi-Árido são também sinônimo de resistência da agricultura familiar em contraposição às sementes “melhoradas”, de poucas variedades, distribuídas pelos programas governamentais.
Segundo a agrônoma e assessora técnica da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Paula Almeida, além de serem sementes que os agricultores não conhecem, elaboradas em centros de pesquisa em outras regiões do País, as variedades oferecidas pelo governo são uma ameaça ao equilíbrio do sistema diversificado dos agricultores familiares e, portanto, à agrobiodiversidade.
“No caso das sementes que vêm de fora [as que são criadas em centros de pesquisa], elas geralmente crescem mais rápido e ficam [as plantações] muito baixas e aí já é um problema para o agricultor e agricultora do sertão, porque eles usam a palha do milho para alimentar os animais. Então, milho baixo e que não dá palha, muitas vezes, pode até não dar o grão, e aí eles acabam por cruzar com as variedades dos agricultores e baixar o porte das variedades deles [as nativas]”, explica a agrônoma.
Além disso, as sementes locais, ao contrário das produzidas pelas empresas, são ricas em diversidade. Na Paraíba, por exemplo, os agricultores têm vários tipos de feijão, como o macassa, o de arranque e o faveta. “Só o feijão macassa, existem mais 12 variedades diferentes dele. Então, essa diversidade não é um padrão, como a semente de uma empresa, que dá em todo canto. A semente da paixão dos agricultores não, elas são aquelas que se adaptam aos seus ambientes”, enfatiza Emanoel Dias.
A tradição dos agricultores é estocar sementes em casa, mas há também o estoque em bancos comunitários de sementes ou casas de sementes, uma experiência que surgiu em meados dos anos de 1970, com apoio da Igreja Católica e de entidades da sociedade civil.
Segundo Paula Almeida, o banco comunitário de semente é um estoque extra onde as famílias depositam uma parte da sua colheita para utilizar na safra seguinte. Além disso, ela ressalta que o banco é uma experiência de solidariedade, pois os associados depositam sempre uma quantidade a mais de sementes que tomaram emprestadas para que outras pessoas da comunidade possam se integrar ao banco.
“Existem bancos em que o agricultor devolve de 20% a 30% em cima da quantidade solicitada. Outros, não definem um valor, e aí o agricultor fica com a autonomia de dizer o quanto pode devolver”, complementa Paula.
Ela também destaca que os bancos de sementes são espaços importantes de recuperação das sementes nativas dos agricultores, que estão sob ameaçada devido às sementes melhoradas e as transgênicas. “Na Paraíba, por exemplo, já foram resgatados mais de 210 tipos de sementes depois dos bancos de sementes”, comemora Paula.
A iniciativa de formar o banco parte da própria comunidade, com o apoio de organizações não-governamentais, igrejas ou sindicatos. Para começá-lo, os agricultores e agricultoras precisam de um aporte inicial de sementes, que varia de comunidade para comunidade e, também, da necessidade de cada família.
“Tem lugares em que a terra é pequena e os agricultores plantam pouco, conseqüentemente, eles vão precisar de uma quantidade menor de semente, comparado aos que têm um espaço maior para plantar”, explica Almeida.
As variedades de sementes também mudam de banco para banco. Em geral, eles começam com um ou dois tipos de sementes. As mais comuns são as de feijão e milho. Mas, existem bancos com mais de 10 variedades. O armazenamento é feito em garrafas pet ou silos de metal.
Com o passar dos anos, o número de bancos no Brasil foi aumentando e se organizando e, hoje, compõem redes, espalhadas em vários lugares do País. Na Paraíba, eles estão ligados a Rede de Sementes da Articulação do Semi-árido Paraibano que conta, aproximadamente, com 228 bancos. Eles estão espalhados em 61 municípios de todas as regiões do estado (Alto Sertão, Médio Sertão, Cariri, Seridó, Curimataú, Agreste e Brejo) e beneficiam mais de 6 mil famílias. (Clique aqui e conheça a experiência do banco de sementes comunitário de Lagedo de Timbaúba, localizado em Soledade, no Cariri paraibano).
Segundo Emanoel Dias, o papel da rede é articular e sistematizar as experiências familiares, comunitárias, regionais e estadual na área de sementes, como também prestar apoio técnico (treinamentos e cursos sobre seleção e armazenamento de sementes). Outra importante função dessa rede é propor políticas publicadas voltadas para a questão da valorização das sementes dos agricultores.
“Os agricultores familiares que querem e têm banco de semente podem acessar a CONAB [Companhia Nacional de Abastecimento], pedir informação para adquirir as sementes dos próprios vizinhos, para criar seus bancos. Na Paraíba, desde 2002, vem sendo feita a compra de sementes crioulas. Já foram compradas mais de 200 toneladas para criar novos bancos e fortalecer outros já existentes, que diminuíram seus estoques”, informa Paula Almeida.
Para Elza Gomes, da coordenação da Articulação no Semi-Árido Paraibano, a grande contribuição dos bancos é permitir que o agricultor tenha a semente para plantar na hora certa, não vai ficando dependendo das sementes de fora, “que eles mesmos batizaram de ‘sementes forasteiras’. Então, a maior importância dos bancos de sementes é a autonomia do agricultor”.
Segundo dados da Rede de Sementes da Paraíba, da Cooperativa de Bancos Comunitários de Sementes de Alagoas (Coopabacs) e da Rede de Intercâmbio de Sementes do Ceará (RIS), apenas nesses três estados existem mais de 500 bancos e casas de sementes comunitárias já identificadas. Mas, sabe-se que essas experiências têm se multiplicado em todos os estados da região. Somados às sementes armazenadas em casa, de uso familiar, os bancos comunitários se configuram importantes instrumentos de conservação da biodiversidade no Semiárido.
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